domingo, 25 de novembro de 2012

Los Angeles Lakers x New Jersey Nets

O ano é 1992, estamos na década de ouro da liga profissional de basquete dos EUA, a NBA. Final de jogo no Fórum de Inglewood, em Los Angeles, vitória do Lakers sobre o Nets. Os jogadores conversam entre si enquanto se dirigem aos seus vestiários, repórteres os entrevistam aqui e acolá. O pivô Vlade Divac, do Lakers, tenta brincar com seu ex-compatriota Drazen Petrovic, ala-armador do Nets, que o cumprimenta de forma protocolar, vira-se e segue para o vestiário dos visitantes.
Para compreender esta cena precisamos voltar um pouco mais no tempo. Em 1986 Petrovic transferiu-se para a liga profissional norte-americana, um dos primeiros a entrar naquele clube fechado. Foi contratado pelo Portland Trail Blazers, mas não deslanchou como esperava, ele que foi considerado o melhor jogador europeu de todos os tempos. Divac, seu colega na seleção iugoslava, transferiu-se em 1989 para o Los Angeles Lakers (o segundo europeu na NBA). Teve mais sorte em sua adaptação, mesmo com a difícil incumbência de substituir o mitológico Kareem Abdul-Jabbar; seu jogo de alta técnica e sua simpatia logo conquistaram o time e a torcida, apesar do inglês macarrônico. Petrovic telefonava diariamente para Divac, chorando suas mágoas por não conseguir o merecido espaço. Divac, ao contrário, estava feliz em seu clube e numa cidade onde o frio não existia. Vamos pular para 1990, Campeonato Mundial de Basquete na Argentina (a fase final foi disputada no Luna Park, um templo do esporte em Buenos Aires). A Iuguslávia já havia sido bronze no Mundial da Espanha (1986), prata na Olimpíada de Seul (1988) e ouro no Eurobasket (1989). Era um time jovem e unido, que estava junto há bastante tempo. Entretanto, fora do esporte, os ventos vinham mudando na Iugoslávia, onde alguns dos antigos territórios eslavos que compunham o país mostravam seu desejo de independência, em especial a Croácia. A final do campeonato foi uma revanche contra a URSS, vencedora na Espanha, vitória fácil dos iuguslavos por 92 a 75. Após o apito de final de jogo, Petrovic corre para abraçar seu amigo Divac. Durante a comemoração alguns torcedores, com bandeiras da Croácia, entram na quadra e se aproximam dos atletas. O sérvio Divac, então, comete o grande erro de sua vida, arranca a bandeira croata das mãos do torcedor e a joga longe, dizendo que ali eram todos iuguslavos. O croata Petrovic observa sua atitude, como que desapontado. A partir dali a amizade entre os dois não existiria mais. A imprensa croata transformou Divac em um grande vilão. Não muito depois iniciaram-se os conflitos armados entre os dois povos, com atrocidades de ambas as partes.
E o que a amizade entre Vlade Divac e Drazen Petrovic tem a ver com a literatura? Diretamente, nada. Indiretamente, tudo a ver com o romance "O pintor de batalhas", de Arturo Pérez-Reverte (Companhia das Letras; 2008). O livro conta a história do fotógrafo correspondente de guerra Andrés Faulques, que depois de trinta anos vivenciando diversos conflitos em todos os continentes, adquire um velho castelo na Espanha, sua terra natal, e decide criar um mural com algumas das principais batalhas, que passaram por suas lentes e continuam a acontecer em sua memória. Como ele dizia, pretendia pintar a essência da guerra.
É um livro com ingredientes para agradar a diversos gostos. Em primeiro lugar, uma trama muito boa. Afinal, por que Andrés, um fotógrafo com grande reconhecimento e prestígio pelo seu trabalho, decide levar uma vida de reclusão enquanto trabalha em seu mural? Quem é e qual o propósito de Ivo Markovic, que visita o pintor em seu castelo e com quem trava longas e instigantes conversas?
Para apreciadores das artes plásticas, vale para conhecer ou recordar os quadros que inspiraram o protagonista (graças à internet, santo Google, conheci diversos quadros que o inspiraram e pude constatar o quanto estão relacionados às batalhas vivenciadas pelo fotógrafo). Aos apreciadores de fotografia interessa pela apresentação das técnicas empregadas nas diversas situações de combate (o que nos permite enxergar a cena e os efeitos fotográficos obtidos).
Gosto muito do Arturo Pérez-Reverte e recomendo seus livros (leiam também "O mestre de esgrima" e "O clube Dumas", entre outros, também da Companhia das Letras). Desconhecia, a seu respeito, que ele próprio foi um fotógrafo de guerras. Assim, muito do que é retratado neste livro vem de sua experiência pessoal. É um romance de ficção, mas com fortes elementos autobiográficos. Para o meu gosto foi o seu melhor livro escrito até hoje.
Observação: vale a pena, também, assistir o documentário "Once brothers - A história de Vlade Divac e Drazen Petrovic" (produção da ESPN).
Abraço,
Nelson Safi

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