domingo, 25 de novembro de 2012

Os lusíadas; e os lusófonos também


Um dia desses resolvi postar, no blog do trabalho, umas dicas de leitura de escritores lusófonos. Não era para ser muita coisa, mas acabou dando nisso que está aqui.
Uma das grandes vantagens de escritores lusófonos é a de ler o texto em seu original, sem a interferência de um tradutor (claro, de vez em quando é preciso da ajuda de um dicionário) É também uma oportunidade para constatar a beleza da língua.
De início, para quem gosta de fazer um test drive, uma boa pedida é a antologia de contos "Desacordo ortográfico" (Não Editora), organizada pelo meu amigo Reginaldo Pujol Filho. Ali pode-se encontrar portugueses, obviamente, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos e, de quebra, brasileiros. Começa com um conto do L. F. Verissimo, “Mais palavreado”, uma ótima brincadeira com o vocabulário. Tem também o Ondjaki (não me perguntem como se pronuncia esse nome), com “O cheiro do mundo”; o primeiro dia de um menino na escola. Enfim, um monte de coisas boas (o conto "Amor aos pedaços", do Reginaldo, é um dos meus favoritos). É muito agradável constatar que a prosa portuguesa, que soa muito bem aos ouvidos, ganhou um colorido especial por terras africanas.
Bom, peguei alguns livros, que gosto bué, como diriam os angolanos, para comentar. Começo pelo "Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto" (Cia. das Letras), do Mário de Carvalho. O livro é de um sarcasmo corrosivo, narra "a comédia de toda geração portuguesa – aquela que chegou à vida adulta durante a redemocratização de Portugal, a partir da revolução de 25 de abril de 1974. O protagonista, um burocrata cinquentão, vê seus projetos de vida fracassarem um por um. Relegado na empresa, que passa por um processo de modernização, toma a primeira decisão drástica da sua vida: entrar para o Partido Comunista". Difícil tentar convencer alguém de que um livro é bom, apenas transcrevendo um pedacinho de sua orelha. Mas podem crer, vale a pena.
"Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra" (Cia. das Letras) foi o primeiro romance que li do escritor moçambicano Mia Couto. Apesar do título, que me pareceu pretensioso, aceitei a dica da Carla (a meiga), e o levei para casa. Depois deste enfileirei mais três, pois achei a sua escrita mágica. Se antes falei que a prosa portuguesa soa bem aos ouvidos, a dele, além disso, adiciona cores e sabores. Grande parte de seus romances e contos retrata um conflito bastante presente na África, o passado colonial e a reconstrução pós-revolucionária (não pensem, com isso, que encontrarão ali uma literatura panfletária ou um ranço terceiro-mundista, no entanto, essa vivência agrega em sua literatura). Depois dessa quase imersão, busquei em minha biblioteca uma velha antologia de contos moçambicanos que herdei do meu pai. A seleção foi realizada pelo Ricardo Ramos, filho do Graciliano. E lá estava ele, Mia Couto, um iniciante, e eram dele os melhores contos da seleção.
Pertinho dali, em Angola, temos o escritor Ondjaki, de quem tive o prazer de ler "Avó dezanove e o segredo do soviético" (Cia. das Letras), também uma sugestão da Carla, mencionada antes. A história, narrada por uma criança, passa-se em Luanda, logo após a revolução, e conta a construção do mausoléu para o falecido presidente Agostinho Neto (o qual ficou conhecido como Foguetão; o mausoléu, não o Agostinho Neto). Um trecho da orelha:
"Em Luanda, depois da independência de Angola, mas ainda com a presença de estrangeiros tão diferentes entre si – como portugueses, cubanos e soviéticos –, moradores de um pequeno bairro se veem em meio ao turbilhão da história. A fantasia da infância e a crueza da política se cruzam nesta narrativa em que a imaginação de um menino consegue, ao menos no plano da fabulação, vencer a avalanche da realidade".
Estou quase no fim, então não posso deixar de mencionar o angolano José Eduardo Agualusa, do qual  terminei um romance (e já li alguns contos excelentes), “As mulheres do meu pai”, uma espécie “road movie” (road book, existe isso?).
Poderia dizer que deixei o melhor para o final, mas tudo é uma questão de gosto. Ele ficou para o fim por ser o mais famoso.  Enfim, deixei para o final o Saramago, recentemente falecido. Redundância dizer que ele é bom. Para quem nunca o leu, recomendo um contato mais ameno. Sugiro o "Conto da ilha desconhecida", uma história breve, cerca de quatro horas de leitura, se tanto. Por aí tem-se uma ideia de sua prosa pouco usual, de parágrafos enormes, e também da fineza de sua ironia. Depois, mantendo a linha irônica, mas "adensando" um pouquinho, "As intermitências da morte" (a história de um país onde as pessoas param de morrer). Pronto para ir adiante? Experimente "História do cerco de Lisboa"; um revisor de uma editora retira, propositalmente, a palavra "não" do livro de história em que está trabalhando (a do cerco de Lisboa, pelos mouros). A simples supressão da palavra altera o rumo dos acontecimentos. Convidado pelo editor, aceita o desafio de reescrever a história conforme o resultado de sua ação. Ficaram curiosos? Ele não recebeu o Nobel por acaso (por sinal, seu discurso em Estocolmo, quando recebeu o prêmio, é emocionante, se alguém se interessar devo tê-lo guardado, algures no HD do meu "tip-top"). Exceto o "Memorial do convento" (excelente romance), todos os livros do Saramago foram editados pela Cia. das Letras (mas posso estar enganado, é claro).
Bom, se tudo correr bem (traduzindo: se eu vencer a minha preguiça e escrever) terei outras dicas de leitura no próximo mês.
Abraço,
Nelson Safi

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